24 janeiro - Tomboy (2011) - Céline Sciamma



Em Tomboy, a menina Laure tem 10 anos e gosta de usar seu cabelo cortado bem curto. Ela tem um relacionamento amoroso com seus pais e em especial com sua irmã caçula. Quando a família se muda para um novo condomínio, Laure conhece Lisa e apresenta-se com o nome de Michael para ela e os novos amigos. A convivência com o grupo formado predominantemente por meninos faz com que Laure crie estratégias para parecer um deles ao mesmo tempo em que cada vez mais desperta o desejo de Lisa.
Sciamma conduz tudo com bastante naturalidade e a pequena atriz, Zoé Héran, é perfeita na doçura e masculinidade do personagem que, mesmo quando coloca o derradeiro vestidinho azul, ainda soa como um Tomboy  (gíria para  definir meninas que se vestem como  meninos)
Por fim, quando Laure/Michael é descoberta e exposta ao cruel tribunal das crianças, Lisa entende que seus sentimentos por ela vão além de uma simples aparência.

Tomboy (2011)
Céline Sciamma

23 janeiro - As Tentações de Santo Antônio (2009) - Veiko Õunpuu



Antônio é acima de tudo, um homem bom. Procura ajudar seus semelhantes e acredita numa redenção após a morte. Mas  o mundo em que Antônio vive, apesar da aparência civilizada, é selvagem e perverso e, enquanto atravessa sua via-crúcis de mal entendidos e estranhamentos, percebe que sua vontade em ajudar o próximo não necessariamente significa fazer o bem.
O filme vai se tornando cada vez mais delirante e sombrio à medida que em Antônio é provocado por tentações maiores e culmina num night club, onde belas garotas são escolhidas pelos convidados para serem assadas, temperadas e servidas na janta, como se fossem lagostas.
Veiko Õunpuu exacerba o absurdo de um mundo essencialmente mau e que reage cada vez mais violentamente às tentativas de melhorá-lo.  

As tentações de Santo Antônio (2009)
Veiko Õunpuu

22 janeiro - Raça das trevas (1990) - Clive Baker



Raça das trevas, filme inspirado no livro "Cabal" de Clive Baker, conta à estória de Aaron Boone, um homem atormentado por pesadelos com criaturas horríveis. Paralelamente, estranhos assassinatos começam a acontecer em sua cidade e, através das consultas com seu psiquiatra, Aaron acredita que pode ser o monstro responsável pelas mortes. O Dr. Decker, o psiquiatra, avisa a policia sobre o caso e Aaron foge para um lugar lendário chamado Midian, onde se esconde  a raça das trevas. Aaron estabelece contatos com as tais criaturas e passa a viver com elas enquanto ainda é perseguido por Decker (o verdadeiro responsável pelas mortes) e a polícia que tenta por um fim em Midian e seus estranhos habitantes.
No filme, tudo é resolvido rapidamente. É incrível como Boone consegue achar a lendária Midian apenas com três dicas fornecidas por um paciente psiquiátrico.
Apesar do visual bem precário, dos efeitos toscos, e da maquiagem pouco convincente, Clive Baker nos dá o recado: temos que viver com tolerância.
Uma curiosidade do filme é a presença do estranhíssimo David Cronemberg no papel do psiquiatra assassino, Dr. Decker.

Raça das trevas (1990)
Clive Baker

21 janeiro - Amantes passageiros (2011) - Pedro Almodóvar



Nas Linhas aéreas Península é mais um dia de rotina com passageiros, malas e aviões.
Porém, em um de seus vôos para México, uma falha no trem de pouso do avião faz que a viagem fique mais longa do que o esperado. A tripulação da classe econômica é sedada e, apática aos acontecimentos, fica a mercê das decisões tomadas pelos passageiros da classe A, um pequeno grupo formado por tipos como uma velha dominatrix rica, um assassino profissional em seu último trabalho, e uma vidente virgem, que faz uma premonição ao constatar que algo está errado com o avião. A tripulação de bordo da aeronave, composta exclusivamente por homossexuais, procura assegurar o conforto de seus passageiros de todas as maneiras possíveis, utilizando para isso desde espetáculos musicais burlescos até coquetéis de álcool com mescalina. O único telefone do avião, por um problema de funcionamento, permite que as conversas, despedidas e remissões particulares dos passageiros à beira da catástrofe, sejam replicas pelos alto-falantes e compartilhadas por todos, como um confessionário aberto e sem máscaras.
Amantes passageiros ou i’m so excited é um Almodóvar gay escancarado mas com um humor bem mais sutil e afiado e com personagens e trama que, apesar de rotineiros no seu universo, ainda provocam gratas surpresas e boas gargalhadas.

Amantes passageiros (2011)
Pedro Almodóvar

20 janeiro - No Espaço Não Existem Sentimentos (2010) - Andreas Öhman



 Simon tem uma doença especial, vive num mundo onde não suporta ter seu corpo tocado por outra pessoa e atravessa os dias de uma forma previsível e matematicamente calculada. Durante suas crises, refugiasse num velho tanque de ferro, que se transforma na nave espacial que o leva para galáxias distantes, onde sentimentos possam ser resguardados. Sam, o irmão, é seu único canal de contato com a terra e acaba por levar Simon para morar em sua casa. Os conflitos gerados pela interferência da precisão aritmética de Simon no convívio de Sam e sua namorada, acabam por destabilizar o casal, que se separa. Sentindo-se culpado, Simon sai em busca de um novo amor para o irmão e durante sua jornada aprende que a vida não é tão precisa quanto à lógica das suas equações.
Tudo certo como 2 e 2 são 5, como diria Caetano.


No Espaço Não Existem Sentimentos (2010)
Andreas Öhman
 

19 de janeiro - A Grande Beleza (2013) - Paolo Sorrentino




O dia em Roma,deslumbrante, iluminado e quase sacro, opõe-se radicalmente às noites de batidão em que vive Jep Gambardella, um jornalista de 65 anos.
Jep, que chegou em Roma muito jovem, autor de um livro que lhe rendeu fama e dinheiro,  troca a noite pelo dia, desfrutando de luxuosas e cafonas festas promovidas pelos amigos intelectuais e ricos. O rei mundano, como gosta de ser reconhecido, foi incapaz de escrever outro livro, porém, durante sua jornada na vida loca, é tocado, em alguns momentos, por pequenos acontecimentos (a morte de seu amor de infância; a despedida decepcionada de Roma, feita pelo amigo; um encontro com um artista que se fotografa diariamente desde o nascimento; o contato com uma religiosa penitente que se alimenta de raízes) que podem lhe trazer de volta um sentido na busca pela grande beleza.
Comparações à parte com a Doce vida de Fellini, Sorrentino nos mostra a decadência de uma sociedade de  forma sublime e divertida. Poético e estranho, a grande beleza mistura morte, vida, arte e frivolidade e nos fala dos dias vazios, situações de acomodamento e inversão de valores, próprios de nosso tempo.

A Grande Beleza (2013)
Paolo Sorrentino

18 de janeiro - Inquietos (2011) - Gus Van Sant



O jovem Enoch tem um amigo fantasma: um kamikaze japonês que o acompanha desde que saiu de um coma que durou três meses. Hiroshi, o fantasma, ao mesmo tempo confidente e conselheiro, ajuda Enoch a enfrentar a perda dos pais, acontecida em um acidente da qual foi o único sobrevivente. Annabel tem 16 anos. Sorridente e espirituosa, encara com naturalidade a doença que lhe abreviará a vida nos próximos três meses.Os dois jovens têm o interesse e curiosidade por assuntos mórbidos e entre seus hábitos esta visitar velórios de desconhecidos na sua cidade. É num destes velórios que os dois se encontram e passam a dividir seus dúvidas, medos e expectativas sobre a morte e vida.
Gus Van Sant é um dos meus diretores preferidos, por conseguir lapidar e fazer luzir, pequenos diamantes em suas estórias simples. Apesar da morte anunciada desde o inicio, Van Sant conduz com delicadeza e otimismo, não normalmente usuais em seus filmes, o trinômio juventude, despedida, morte. Inquietos é mais um de seus filmes que parecem não terminar com o simples subir dos créditos finais.

Inquietos (2011)
Gus Van Sant

17 de janeiro - Cenas dos subúrbios (Scenes from the Suburbs) (2011) - Spike Jonze



O filme retrata um verão na memória do então adolescente Kyle, suas lembranças do grupo de amigos e em especial a admiração por Winter, seu amigo mais próximo. Vivendo em um subúrbio ocupado por um grupo de militares durante a guerra do Golfo, o grupo de adolescentes tem sua rotina alterada por inspeções, violência, encapuzados, caminhões de guerra, regras rígidas de conduta e toca de recolher. A nova ordem é mais sentida no grupo, quando o irmão de Winter retorna para casa (provavelmente dispensado da guerra) e começa impor regras e disciplinas que interferem na rotina do adolescente.
Apesar de se passar num subúrbio fictício, a violência apresentada não é tão diferente quanto à vivida por jovens nos subúrbios reais, vide as ocupações nas favelas do Rio pela policia pacificadora, por exemplo.
Sem muitas alegorias e com bastante despojamento nas interpretações, Spike Jonze apresenta um filme otimista sobre pessoas que apesar do horror dos dias, das armadilhas da memória e da impossibilidade de se guardar tudo, preferem lembrar apenas o que realmente tem importância em suas vidas: as relações e amores.

Cenas dos subúrbios (Scenes from the Suburbs) (2011)
Spike Jonze

16 de janeiro - Vagas Estrelas da Ursa (1966) - Luchino Visconti



O casal formado por Andrew e Sandra tem uma vida social agitada e vivem um casamento feliz, na América. Repentinamente Sandra se vê obrigado a voltar, juntamente com seu marido, à casa de sua família em Volterra para tratar de uma homenagem a seu falecido pai. Andrew, através da governanta da casa, descobre que Giane, irmão de sua esposa, tem o hábito de passar longas temporadas na residência da família, e é justamente ele quem aparece numa noite no jardim, enquanto Sandra passeia. Os afetos trocados pelos irmãos neste encontro são interrompidos com a chegada de Andrew, que se apresenta e os convida a entrar na casa.
A convivência dos três é permeada por tensões e descobertas que pouco a pouco dão visibilidade aos fantasmas que rondam o passado da residência  e que culminam com o fim do mistério sobre o relacionamento muito mais que fraternal dos dois irmãos.
Vagas Estrelas da Ursa é um filme clássico de Visconti sobre decadência, memória e desejo, livremente baseado na tragédia de Electra e que apresenta uma Cláudia Cardinale com 25 anos, linda como nunca.

Vagas Estrelas da Ursa (1966)
Luchino Visconti

15 janeiro - Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (2010) - Apichatpong Weerasethakul


Boonmee sente a proximidade da morte e decide passar seus últimos dias em uma pequena fazenda de propriedade de seus familiares. Durante um jantar a noite, sua falecida, esposa (Huey) materializa-se na mesa e seu filho desaparecido (Boonsong) ressurge sob a forma de um ser fantástico. Eles vêm preparar Boonmee para sua morte.
O filme intermedia as reflexões de Boonmee sobre seu estado terminal com lendas tailandesas repletas de simbologias e referencias ao tempo. Boonmee acredita que sua doença é um Karma criado pela morte de vários comunistas durante o regime militar.
Seu filho, um fotógrafo, transforma-se em um macaco fantasma após perseguir a tal criatura, que surgiu em uma de suas fotografias. Sua falecida esposa observa com espanto as fotos tiradas no dia de seu velório. Neste território onde a razão não domina, uma bifurcação na imagem, nos minutos finais do filme, parece sugerir a possibilidade de outra vida com mais tempo para convivências e trocas de afeto.

Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (2010)
Apichatpong Weerasethakul

14 de janeiro - O hospedeiro (2006) - Joon-Ho Bong



O filme inicia com um grande derramamento de restos de uma substancia tóxica pelos ralos de um laboratório, em uma base química militar.
Alguns meses depois, pescadores se deparam com uma pequena mutação no rio. Enquanto isso, um dos responsáveis pelo derramamento da tal substancia, suicida-se.
Mais alguns meses se passam e a mutação, ou hospedeiro, sai pela primeira vez do rio em busca de comida. Em seu ataque bem sucedido, acaba por levar, como um “lanchinho”, a mais jovem integrante de uma família de desajustados que vivem de comercio as margens do rio.
A partir deste fato, a família composta por um pai e seus três filhos, põe suas diferenças e deficiências de lado e se unem para resgatar a menina.
O hospedeiro, do coreano Bong Joon-Ho, parte de premissas obvias para criar um filme realmente novo, visualmente belo e com uma estória bem contada e sem piedade para com seus protagonistas. Apesar da tônica no monstro e o recado ambientalista, o filme bem poderia ser classificado como uma comédia, ou um drama familiar, uma ficção cientifica ou até mesmo um bom filme de terror. Seu mérito é deixar todos estes gêneros embaralhados durante as gratas quase duas horas de duração.

O hospedeiro (2006)
Joon-Ho Bong

13 janeiro - Holy Motors (2012) - Leos Carax



Oskar, um aparentemente um senhor de meia idade, começa sua jornada de trabalho logo cedo. Oskar é um agente da Holy Motors e sua função é proporcionar aos clientes da empresa, alguns momentos de fantasias singulares. Assim, durante a sua jornada, Oskar assume os mais diferentes papéis; ele pode ser uma deficiente física sexagenária que esmola na rua, pode ser um dublê de ninja numa animação 3D, pode ser um louco comedor de flores e adorador de modelos, um músico numa orquestra de sanfonas, um pai coruja com uma filha com baixa auto-estima, passando por um velho no seu leito de morte, um frio assassino e um homem solitário com seus chipanzés.
Leos Carax utiliza cada transformação de Oskar para criar pequenas estórias fechadas, que passam pelos variados gêneros do cinema como drama, comédia, suspense, musical, terror e romance. O filme, através das variadas e profundas transformações do personagem, nos mantém em um eterno estado de suspensão onde é difícil saber os limites entre fantasia e realidade nas representações de Oskar e seu cinema sem câmeras.

Holy Motors (2012)
Leos Carax

12 janeiro - Aqui é o meu lugar (2011) – Paolo Sorrentino



Cheyenne é a personalidade local de um bairro em Dublin. Excêntrico e decadente, sustenta aos 50 anos, o mesmo visual rebelde que lhe proporcionou fama e riqueza na juventude. Adorado por uns e assustador para outros, ele segue sua vida imerso na monotonia da rotina de suas compras no super mercado, os jogos de pelota com esposa e os encontros num café com Mary, sua jovem fã.
Ele carrega uma culpa que o impede de seguir a carreira de Rock Star. Cheyenne é também muito perspicaz em seus julgamentos e aplica suas penas ao modo “dente por dente”.
Com a notícia da morte de seu pai, regressa aos estados unidos e descobre que o falecido procurava obsessivamente vingar-se de um criminoso de guerra nazista, que durante o holocausto o humilhou. Cheyenne decide sair de seu pequeno universo e parte em viagem a procura do algoz que fez seu pai sofrer.
Sean Penn, em sua caracterização, lembra Robert Smith e Edward mãos de tesoura, o que provoca humor a algumas cenas. O filme vira um grato road movie, destaca  uma belíssima fotografia e tem um final trágicômico bem ao estilo gótico do personagem, que finalmente fuma seu primeiro cigarro.

Aqui é o meu lugar (2011)
Paolo Sorrentino

11 de janeiro - Heavy metal - Universo em fantasia (1981) - Gerald Potterton


Animação, feita ainda no sistema tradicional, conta a estória de uma esfera de cor verde que atravessa os séculos e as cinco estórias presentes no filme. A tal esfera simboliza todo o mal existente na humanidade e ao seu contato qualquer um corre o risco de ser corrompido. Os desenhos, em tom realístico, apresentam tudo que alguém do sexo masculino e com idade mental em torno de 14 anos adoraria: mulheres peitudas e sensuais, guerreiros intergalácticos marombados, alienígenas malignos, batalhas entre o bem e o mal, tudo isto num roteiro bem previsível e embalado por uma trilha sonora de peso (heavy) com nomes como Black Sabath, Nazareth, Sammy Hager, Journey e outros...
Assisti a este filme na adolescência e revendo agora, percebi que algumas coisas tem data de validade (vencida) e devem ficar bem guardadinhas.


Heavy metal - Universo em fantasia (1981)
Gerald Potterton



10 janeiro - Azul é a cor mais quente (2013) - Abdellatif Kechiche



Adéle tem 15 anos e vive o tempo de sua idade, os estudos, o grupo de amigos, os passeios, as manifestações políticas. Adéle é alertada pelas colegas, também adolescentes, sobre o desejo que causa em um dos rapazes do seu colégio. Ambos transam e ela percebe que algo está faltando, percebe também que este algo que falta, pode ser encontrado em Emma, uma artista plástica de cabelos azuis que cruza por ela em uma rua. Elas têm um primeiro contato, num outro momento, quando se encontram coincidentemente num bar L.
A aparição de Emma, na saída do colégio de Adéle, causa algumas tensões com seus colegas.(Tensões estas que eu esperava que fossem mais desenvolvidas no filme, mas não). O filme dá um salto no tempo e encontramos Adéle vivendo com Emma, numa apaixonada relação, que apesar das expectativas profissionais diferentes de cada uma, prospera. As duas protagonizam cenas longas e tórridas de sexo que, aparentemente não se abrem a outros significados ou acrescentam muita coisa ao filme.
Adéle, talvez pela imaturidade, talvez pelo peso do mundo, acaba por trair Emma que não a perdoa. O filme dá outro salto e temos agora uma Adéle mais velha, assexuada e triste, vivendo para o trabalho de professora que tanto apostava.
Três anos após a separação, o ex-casal se reencontra para falar de suas realizações e incompletudes.
Kechiche não é muito adepto do corte de edição, o filme que tem quase 3 horas de duração desnecessariamente, tem o mérito maior de retratar a situação de boa parte da juventude homossexual: a descoberta da sexualidade, enfrentamentos familiares e sociais e o desejo inominável acontecendo à revelia de tudo.

Azul é a cor mais quente (2013)
Abdellatif Kechiche   

09 janeiro - Shame (2011) - Steve McQueen



Shame é o “mais cinema’ dos filmes de McQueen, até então. Nele acompanhamos a vida de Brandon, um compulsivo sexual, e sua jornada pela caça ao sexo com perversão. Brandon, vivido por Michael Fassbender, é um predador que encara tudo, exibicionismo, masturbação, sexual virtual, mulher casada, homossexualismo, ménage, enfim, tudo mesmo, menos amor. Seus dias de macho alfa começam a ruir com a chegada da irmã doce e carente em seu apartamento.
Os conflitos que surgem a partir dos desejos e fragilidades de cada um deles culminam numa espécie de redenção para ambos.

Um amigo budista me disse uma vez que estamos fadados a repetir os mesmos erros infinitamente. Shame, em seu final, prefere não responder a esta máxima.

Shame (2011)
Steve McQueen

08 janeiro - Hunger (2008) - Steve McQueen



Em 2007, durante a bienal do Mercosul, tive meu primeiro contato com Steve Macqueen. Os trabalhos Western Deep, apresentado numa sala escura, e Carib’s Leap, formado por duas projeções simultâneas apresentadas numa sala clara, exigiam do espectador tempo e disposição para completar as várias linhas de pensamento lançadas nos longos, misteriosos e belos planos que compunham as duas narrativas. Os trabalhos de MacQueen são experiências densas e impregnantes que surgem de situações factuais, abertos para quem se dispõe a enfrentá-los.
Em Hunger, seu longa de 2008, MacQueen utilizada os mesmos longos e densos planos, para falar agora sobre as torturas sofridas na prisão por um grupo de militantes do IRA, quando perdem o status de preso político, e da greve de fome levada por eles, mas, especificamente focada na figura do ativista Bobby Sands. Quase sem diálogos, é através das imagens impactantes e belas, como as cenas finais de Sands depois de 66 dias sem comer, que Mac Queen nos atinge e se firma, cada vez mais, com um trabalho que realmente tem pertinência neste território de cruzas entre cinema e artes visuais.

Hunger (2008)
Steve McQueen

07 janeiro - A plataforma (1962) – Chris Marker



O filme se passa numa Paris destruída pela terceira guerra mundial e narra o encontro de um homem, prisioneiro num mundo subterrâneo, com seu futuro (ou passado) através de viagens no tempo realizadas por um grupo de cientistas, com o objetivo de encontrar comida e remédios para os sobreviventes do pós-guerra.
Minutos antes da chegada das bombas que destruirão Paris, o tal homem, através de uma viagem temporal, tem a chance de recordar e entender um fragmento de sua infância que o marcou profundamente.
Utilizando apenas imagens fotográficas e uma narração, Marker constrói uma complexa ficção futurista sobre o tempo e o espaço e termina avisando: Não existe forma nenhuma de iludir o tempo.


A plataforma (1962)
Chris Marker
 

06 janeiro - Sonhando acordado (2006) - Michel Gondry



Stephane, no início do filme nos dá a receita para fazer um sonho que. segundo ele, consiste numa combinação complexa de pensamentos, reminiscências do dia, lembranças do passado, sentimentos e ativação dos cinco sentidos. Stephane tem dificuldades para distinguir o que é sonho e o que é realidade e utiliza este artifício para lidar com a volta para casa de sua mãe, a morte de seu pai, seu trabalho entediante e o desejo pela vizinha, Stephanie, que conheceu por acidente. Nos seus sonhos, tenta ser quem quiser, porém as reminiscências do dia (um dos elementos da receita para fazer um sonho) insistem em aparecer, criando algumas fissuras no seu mundo idealizado.
Os delírios de Stephane (Gael García Bernal), apresentados sob a forma de delicadíssimos stop-motions e outras trucagens simples de estúdio, dão a narrativa um tom singelo e visualmente apaixonante, só comprovando a força das escolhas de Michel Gondry e seu cinema autoral.

Sonhando acordado (2006)
Michel Gondry

05 janeiro - Sebastiane (1976) - Derek Jarman



A primeira vez que vi a imagem de São Sebastião foi quando criança, na casa de meu avô. Senti estranhamento e medo. O corpo seminu, o olhar cândido e as flechadas com sangue escorrendo, emoldurados e colocados na parede da sala, me perturbavam deveras...

-Quem é ele? Perguntei a minha mãe. -Um santo. Ela disse.


Não sei se existem filmes sobre São Sebastião, mas certamente ninguém conseguiria apresentar uma visão tão erotizada, alegórica e burlesca da vida do santo, quanto Derek Jarman. Na visão do diretor, São Sebastião é rebaixado de seu posto de Capitão da Guarda, após demonstrar piedade a um desafeto do Rei. Mandado para o exílio, recusa- se a participar, talvez por ser católico, das festinhas no lago com os outros seis soldados também exilados. Sebastião se apaixona por Severus, o Capitão do exílio, e passa a desenvolver com ele uma relação sado masoquista e platônica que culmina na sua morte.
O filme, feito sem muita grana, mistura a vida de Sebastião com a liberdade sexual conseguida pelos gays nos anos setenta. Jarman não poupa caras, bocas, paus e bundas nas cenas com os exilados e, fetiches a parte, consigo perceber nestas imagens aquela situação de candura, nudez e castigo que tanto me intrigava no quadro na sala de meu avô.

Sebastiane (1976)
Derek Jarman

04 janeiro - Sobre café e cigarros (2003) - Jim Jarmusch

O filme reúne uma série de curtas metragens, com  gente bem bacana interpretando personagens (cheios de estilo) que conversam (ou não), com um certo humor, sobre assuntos diversos, enquanto bebem café e fumam uns cigarretes. Tom Waits, Meg e Jack White, Cate Blanchett, Alfred Molina, Iggy Pop e outros relembram um tempo de glamour e fumaça em encontros nem sempre muito inspirados.

Sobre café e cigarros (2003)
Jim Jarmusch

03 janeiro - Pérfida (1941) - William Wyler

A família Hubbart, composta por três irmãos sem caráter, explora os pobres e negros do sul dos Estados Unidos, com seus negócios inescrupulosos. Regina Giddens, irmã manipuladora da família, promove a cena clássica do filme em que seu bondoso marido moribundo, arrasta-se inutilmente pelo chão da casa para alcançar o  remédio que o salvará, enquanto é observado, com olhos de Betty Davis, pela figura imóvel da própria, até a morte.
Filmão americano onde branco é branco, preto é preto, bom é bom, mau é mau e dinheiro é dinheiro. Aqui tudo é aquilo que é... sem muitas sutilezas.

Pérfida (1941)
William Wyler


02 janeiro - O ato de matar (2012) - Joshua Oppenheimer

Bizarro é uma boa palavra para definir o filme.  Um grupo de assassinos, responsáveis pela morte de milhares de "comunistas"  na Indonésia, em 1965, encenam, sem o menor remorso e muita vaidade, suas táticas de tortura e morte. Difícil dizer qual parte do filme é mais perturbadora, mas creio que a cena em que um filho de "comunista" conta ao seus algozes como foi a noite em que levaram e assassinaram seu padrasto, é uma forte candidata ao posto.

O ato de matar (2012) 
Joshua Oppenheimer

01 janeiro - Rabbits (2002) - David Lynch

Rabbits é Lynch com tudo que se tem direito. A ação se passa  em único cenário, onde os risos e aplausos de uma plateia, a cada entrada dos personagens, sugere a apresentação de um programa humorístico de auditório, não fosse os extensos silêncios que convivem  entre as falas enigmáticas dos três coelhos.
Suspense, ritos macabros e estranhamentos de toda ordem, fazem parte do cardápio.

Rabbits (2002)
David Lynch

Um filme por dia

Minha resolução para 2014, foi que assistiria (pelo menos) um filme por dia, durante o ano. Neste blog, postarei, com certa regularidade, a relação dos filmes, além de alguns pequenos comentários. A listagem  é composta, na sua maioria, por filmes que não tinha assistido até então e de alguns já vistos, mas muito estimados.