14 fevereiro - Hedwig: Rock, Amor e Traição (2001) - John Cameron Mitchell



 Hedwig, com seu visual singularíssimo, se apresenta em restaurantes e lanchonetes baratos para um público parco e desavisado de suas explosivas performances, sempre acompanhada de sua banda the Angry Inch. Entre um barraco e um número musical, vamos conhecendo o passado de Hedwig e como chegou à atual situação.  Quando vivia em Berlim ainda com o nome de Hensel, para fugir do regime comunista fez uma cirurgia de mudança de sexo (mal executada), casou-se e veio para a América, onde em seguida foi abandonado. Trabalhando como babá, conhece o adolescente Tommy Speak, com quem tem um relacionamento carinhoso e tenso. Hedwig ensina os princípios do bom rock ao garoto, que acaba lhe roubando as músicas e, rebatizado com o nome de Tommy Gnosis, torna-se o astro com o reconhecimento que Hedwig sempre quis ter.
Hedwig, interpretado pelo próprio diretor, é um sujeito complexo que apesar do peso das escolhas erradas, toca a bola pra frente, se colocando em situações que vão do drama a comédia em instantes. A crueza das apresentações do grupo são espetacularmente marcantes e autobiográficas. A partir de uma estória sobre um garoto nascido em Berlim no dia em que foi erguido o muro, Cameron Mitchell constrói uma impactante opera rock’n roll de plumas e osso.

Hedwig: Rock, Amor e Traição (2001)
John Cameron Mitchell

13 fevereiro - Um beijo roubado (2007) Wong Kar Wai



Procurando notícias do namorado que não atende seus telefonemas, Lizzy decide ir até os locais onde ele costuma freqüentar. Na Lanchonete, ela é informada por Jeremy, o proprietário, que o tal namorado está com outra mulher. Lizzy, desestruturada com a traição, encontra em Jeremy alguém para se abrir e confidenciar sua decepção. Depois de uma noite na lanchonete, regada à torta de Blueberry, que segundo Jeremy é a torta mais rejeitada entre os clientes, Lizzy parte em viagem pelo interior dos Estados Unidos e, entre cartas e tortas, vai conhecendo outros amorosamente rejeitados.
Diluindo as referencias que fizeram de seu cinema obras singulares, Wong Kar Wai apresenta um drama romântico,bem ao estilo americano. Um beijo roubado não é um filme ruim, é apenas mais um entre tantos filmes sobre desencontros amorosos (da sessão da tarde).

Um beijo roubado (2007)
Wong Kar Wai

12 fevereiro - Felizes juntos (2007) Wong Kar Wai



“Vamos recomeçar” é apalavra mágica, usada pelo jovem Ho Po-wing ao seu jovem namorado Lai Yiu-Fai, toda vez que quer voltar depois de suas brigas e ausências. O casal após tantos desentendimentos decide fazer uma viagem de reconciliação e partem para a Argentina. Os momentos de convivência não saem como o esperado e depois de se perderem na estrada enquanto procuravam as cataratas de Iguaçu, o casal mais uma vez se separa.
Passado algum tempo, em Buenos Aires, os dois tornam-se a encontrar. Fai mais uma vez sede ao “vamos recomeçar” de Wing, porém ainda ressentido, desconfia e evita as investidas do parceiro. Ao mesmo tempo em que as brigas do casal ficam cada vez mais rotineiras e violentas, a convivência com um colega de trabalho parece lançar sopros de esperança na vida de arrependimentos de Fai.
Uma das cenas inesquecíveis do filme, que tem uma bela fotografia, por vezes em preto e branco, é justamente um plano aéreo com imagens das cataratas do Iguaçu, em tons azulados, com a música Cucurrucucu Paloma, interpretada por Caetano Veloso (que já cantou a mesma música no filme "fale com ela" de Almodóvar). A força da água e seu movimento turvo, assustador e também hipnotizante, cria paralelos com a relação escorregadia dos dois atormentados amantes.


Felizes juntos (2007)
Wong Kar Wai

11 fevereiro -Doce Amianto (2013) - Guto Parente, Uirá dos Reis



A doce Aminato corre feliz para encontrar seu amor. Pelo caminho, vai se transformando em várias outras mulheres felizes. Porém ao ser violentamente rejeitado, a frustrada Aminato refugiasse num mundo imaginário extremamente colorido, onde Blanchet, sua amiga morta, a ajuda a suportar a rejeição.
O filme é provocativo e tem uma atmosfera kitsch e inusitada, que pode lembrar David Lynch, mas é muito apropriada a estória. Muito no filme é excesso, desde a ambientação até a interpretação dos personagens principais (Blanchet, por exemplo, lembra o vilão “ele” do desenho das meninas super poderosas), mas este excesso não soa engraçado ou bufo, ele gera perplexidade e explicita ainda mais a fragilidade de Amianto em sua busca por afeto. O filme é do coletivo cearense Alumbramento que cada vez mais se destaca pelo cinema autoral que produz.

Doce Aminato (2013)
Guto Parente, Uirá dos Reis

10 fevereiro - Contraponto (2005) - Terry Gilliam



A menina Jalize Rose vive entre as conversas com as cabeças de suas bonecas e a ajuda na preparação do pico de heroína de seu pai, Noé, que após a morte da esposa por overdose, decide de mudar- se para Tideland, propriedade de sua família. Em Tideland, afastada de tudo, enquanto Noé apodrece sentado em uma cadeira, vítima também de overdose, a inocente Jalize sem comida e sem água, mergulha em suas fantasias de terras distantes, sempre acompanhada pelas sobras de suas bonecas. Numa tarde, enquanto perambula pelos imensos campos cobertos de grama alta de Tideland, a menina encontra com Dell, a antiga vizinha da família e seu filho com problemas mentais, Dickens. O convívio as avessas dos três e os segredos familiares que vem a tona a partir desta aproximação, acabam por aumentar cada vez mais a ruptura de Jalize com a realidade.
A sensação de pesadelo real que permeia o filme se deve a maneira como o Terry Gilliam mistura com particularidades, assuntos como drogas, morte, família e amor à inocência da pequena personagem. O visual delirante, sua marca registrada, desta vez surge sob sua forme mais enxuta e sombria, fazendo de Contraponto o filme mais soturno do diretor.

Contraponto (2005)
Terry Gilliam

09 fevereiro - Planeta Fantástico (1973) René Laloux

No estranho planeta Yagam, vivem os Oms, humanóides que são vistos como insetos e tratados como bichos de estimação pelos Draggs, uma raça gigante com pele azul e grandes olhos vermelhos. Os draggs estruturam sua sociedade avançada através da meditação e utilizam um sistema de aprendizado para seus filhos que é transmitido por aparelhos semelhantes a fones de ouvido. Durante uma brincadeira de um grupo de crianças Draggs, uma Oms não domesticada é morta deixando seu pequeno bebê, Terr, desamparado. O bebê acaba sendo adotado como o bicho de estimação de uma Draggs chamada Tiwa, e passa a observar e conviver com os costumes do povo dominador. A Draggs, já adolescente, se descuida e Terr, já também adolescente, foge levando com ele um dos fones de aprendizado. Durante a fuga, encontra outros Oms não domesticados que passam a usar o equipamento e adquirir conhecimento tão rapidamente, que se tornam uma ameaça para a sociedade dos Draggs.
René Laloux, apesar de utilizar uma animação que não é nenhum primor sob o ponto de vista da técnica, aliada a visível influencia do surrealismo, em especial Dali (o que também não é bom sinal) e do tom naturalista e por vezes obscuro, à la anos 70, toca num ponto sempre atual, a necessidade do conhecimento como elemento libertador do indivíduo, no caso, como quase insetos podem ameaçar o status quo estabelecido, decidir e modificar suas vidas.

Planeta Fantástico (1973)
René Laloux

08 fevereiro - Alta Ansiedade (1977) - Mel Brooks



O Dr. Richard Thorndyke é convidado a dirigir o Instituto de Psiquiatria, após a morte repentina do Diretor, Dr. Ashley, que alguns desconfiam ter sido vítima de um assassinato. Ao assumir direção, Richard, que sofre de alta ansiedade, percebe algumas irregularidades com os pacientes e ao investigar os acontecimentos, se torna vítima de um complô de assassinato, orquestrado por uma enfermeira sádica e um médico masoquista do Instituto.
O filme faz uma bela homenagem/parodia aos filmes de Hitchcock: estão lá cenas de Psicose, Um corpo que cai (incluindo algumas locações iguais aos do filme) e os Pássaros. O humor anárquico e cheio de referencias de Mel Brooks, fez escola nas comédias dos anos 80 e em especial nos filmes dos irmãos Zucher, e ainda é visível sua influencia, mesmo que completamente alterada, nas comédias paródias feitas nos dias de hoje. A cena da enfermeira vilã caindo da torre (referencia a Um corpo que cai) é a cereja deste farto bolo de humor.
  
Alta Ansiedade (1977)
Mel Brooks

07 fevereiro - Festim Diabólico(1948) - Alfred Hitchcock





O casal formado por Brandon e Philip matam friamente o colega, David, com a intenção de provar serem capazes de cometer o assassinato perfeito. Como se não bastasse, resolvem colocar o corpo num baú que servirá de mesa para a festa que os dois organizaram tendo como convidados o pai, a noiva e o melhor amigo da vítima, além de seu velho e astuto professor Rupert. À medida que os convidados chegam e com desenrolar da festa, a ausência de David começa a ser mais fortemente sentida enquanto pequenos conflitos e contradições entre a dupla de assassinos faz com que Rupert desconfie de que algo está errado.
Hitchcock conduz com maestria o tom de crescente tensão do filme, que foi rodado como se fosse um plano seqüência (há pequenos cortes, ocasionados pela necessidade de troca do rolo de filme, muito bem disfarçados pelo diretor). A relação homossexual dos dois personagens perpassa o filme de maneira discreta, deixando a frieza e crueldade dissimulada, principalmente de Brandon, como foco da trama. Desde o inicio sabemos qual o paradeiro de David e a partir disto, Hitchcock propõe o jogo da descoberta do crime, em situações onde o suspense é incrivelmente sufocante. Muitos dizem que talvez seja este seu melhor filme.

Festim Diabólico(1948)
Alfred Hitchcock

06 fevereiro - Bon Voyage (1944) - Alfred Hitchcock




O sargento irlandês Sandy, consegue escapar da Paris ocupado pelos nazistas durante a segunda guerra mundial com a ajuda de seu amigo Stéphane e de um plano de fuga executado com a perfeição de um relógio. Sandy terá que atender um único favor a Stéphane, que não poderá fugir da ocupação neste momento, entregar secretamente uma carta a um amigo na Inglaterra.
Bon Voyage é dos filmes raros de Hitchcock, feitos durante a segunda guerra, sob encomenda do governo Francês. A trama contempla agentes duplos, traições e espionagem, elementos próprios do universo do diretor, que apesar da propaganda clara de apoio a resistência francesa, tem a capacidade de continuar atemporal.

Bon Voyage (1944)
Alfred Hitchcock

05 fevereiro - Day of the Fight (1951) - Stanley Kubrick



No filme acompanhamos os acontecimentos que antecedem a luta de Walter Cartier, um boxeador irlandês em ascensão, com o também boxeador Bobby James, na América dos anos 50.
O jovem Kubrick, em seu primeiro filme, utiliza uma voz em off que vai narrando os acontecimentos enquanto a câmera documenta, sem as ousadias que marcariam sua carreira, a ansiedade do pugilista e os rituais que antecedem a grande luta.
Apesar da provável falta de verba e pouca idade, o filme de Kubrick não é imaturo e nem acomodado, já esboçando questões que seriam explorados com mais perspicácia nos filmes de sua fase áurea.
                                        
Day of the Fight (1951)
Stanley Kubrick

04 fevereiro - Corte Final (2012) - György Pálfi




O homem acorda e se prepara para o trabalho. Durante o caminho, esbarra por acaso na mulher. Os dois trocam olhares e seguem seu caminho. Mais tarde, também por obra do acaso, tornam a se reencontrar. Os dois passam a se ver e dividir seu tempo com passeios, idas ao parque, beijos e abraços, e diante das afinidades, se percebem apaixonados. Os dois se casam e apesar de alguns problemas, superam tudo e terminam juntos, esperando um lindo bebê.
Apesar da estória clichê, Corte final é um surpreendente exercício de montagem. O filme é feito de milhões de outros pedaços de filmes justapostos formando a narrativa.
Os personagens homem e mulher são interpretados, a cada cena, por dezenas de atores das mais variadas épocas, extraídos de filmes que já fazem parte do nosso imaginário e outros obscuros, do inicio do cinema. Através do uso da footage podemos ver Humphrey Boggard, Princesa Fiona, Brad Pitty, Mia Farrow, Woody Allen, Ingrid Bergman, Samuel El Jackson, Daryl Hanna e Tony Leung Chiu Wai, entre outros em seus papeis originais, rearticulados para esta nova trama.
Pálfi, com sua banalíssima estória de amor, acaba nos contando também um pouco de uma parte da estória do cinema americano com seus estereótipos e maneirismos que se perpetuam durante décadas e sem muitas perspectivas de renovação.

Corte Final (2012)
György Pálfi



03 fevereiro - Jogo de Cena (2007) Eduardo Coutinho


Partindo da premissa de uma representação feita por atrizes para estorias reais documentadas por ele, Coutinho apresenta um trabalho inclassificável que dilui fronteiras entre o cinema e o documentário, sua marca registrada. As atrizes ao dramatizarem os textos, acabaram criando paralelos com sua própria condição de vida e estas empatias acabaram por engendrar novas camadas aos relatos, aumentando ainda mais a ponte entre a realidade e a ficção que permeia todo o trabalho. As relações destas mulheres com a criação de seus filhos parece ser o pretexto usado por Coutinho para esmiuçar e extrair a essência dos sentimentos mais íntimos das entrevistadas. Não fosse a presença de três grandes atrizes seria difícil achar as pistas necessárias para saber qual é o relato verdadeiro e qual o encenado. Outra ponto importante do embaralhamento que o documentarista propõe é o local escolhido para a filmagem, o palco de um teatro sem plateia.
Eduardo Coutinho, brilhante e aclamado documentarista brasileiro, faleceu ontem, em circunstâncias muito tristes. Escolhi jogo de cena, entre tantos, como meu filme despedida.

Jogo de Cena (2007)
Eduardo Coutinho

02 fevereiro - Capote (2005) Bennett Miller


O filme conta a estória do mais famoso livro de Truman Capote, A sangue Frio.
A partir de uma notícia sobre o assassinato de uma família em Kansas, Truman Capote investiga os acontecimentos e motivações do crime, sob o pretexto de escrever um artigo para um jornal. Alguns meses depois, os assassinos são presos e enquanto esperam o julgamento, vão se abrindo com o escritor, que passa a visitá-los regularmente. Truman decide escrever um livro e não mais o artigo da ideia inicial, no momento em que os dois criminosos, depois de julgados, são sentenciados a morte.
Através da contratação de um advogado, consegue o adiamento da sentença ganhando ainda mais a confiança de Perry Smith, um dos presos que acaba por despertar em Truman sentimentos confusos.
A relação de Truman e Perry aparentemente é de troca e afeto, mas a morte de Perry e seu cúmplice passam a ser uma bem vinda conveniência para que o atormentado Truman possa dar um desfecho ao livro, que futuramente o consagraria como um divisor de águas na literatura moderna.
Miller humaniza seus personagens mesmo falando de suas fraqueza e principalmente de suas vaidades. Philip Seymour Hoffman interpreta Capote, esta figura brilhante e exótica, com a dignidade do grande ator que foi. Este post é uma pequena homenagem a ele no dia de sua morte.




Capote (2005)
Bennett Miller

01 fevereiro - O palhaço (2011) - Selton Mello



Selton Mello conta a estória do palhaço Benjamin que trabalha num precário circo mambembe, e está em crise com sua profissão. Ao lado do pai, também palhaço, forma a dupla pangaré e puro sangue, que tanto diverte a quase sempre humilde plateia dos lugares mais remotos do Brasil. Volta e meia a imagem de um ventilador ligado parece querer dizer a Benjamin que é hora de mudar de ares.O palhaço que faz os outros rirem, carece de alegria na sua vida. Quando decide sair em busca de sua identidade (literalmente), entende o que seu pai queria dizer com a frase: o gato bebe leite, o rato come queijo e  eu sou um palhaço.
A primeira coisa que salta aos olhos no filme é sua exuberante fotografia. Selton Mello produziu uma pequena obra prima com direção e elenco afinadissímos. A quase fábula ainda tem uma trilha sonora  que é outro acerto do filme e conta com nomes como Nelson Ned, Altemar Dutra e Lindomar Castilho.

O palhaço (2011)
Selton Mello

31 janeiro - Casamento Silencioso (2008) Horatiu Malaele



Uma equipe de filmagem de eventos paranormais é convidada pelo prefeito a fazer uma matéria em vilarejo  em ruínas, na atual Romênia.
No local, a equipe é surpreendida por um grupo de mulheres, todas de luto que vão surgindo entre os escombros. 
Há meio século atrás, a comunidade do vilarejo se preparava para a celebração do casamento dos jovens Iancu e Mara, quando foram surpreendidos com a morte de Stalin e o anuncio de uma semana de luto no país, impedindo qualquer celebração popular. Com a festa já preparada a população, a revelia da proibição, decide realizar o casamento de forma escondida e silenciosa, porém um erro de avaliação faz com que a festa termine de forma trágica.
Horatiu Malaele conta uma das várias estórias envolvendo a truculência do regime comunista e o suas vitimas, em um tom leve e anedótico.  As cenas do casamento em silencio, realizado através de mímicas e muita criatividade, tem um humor por vezes escrachado e irônico que mistura filmes do tipo pastelão e a comédia italiana. Apesar do tom engraçadinho, Malate acaba nos falando mesmo é da tristeza gerada pela impossibilidade de decidir a própria vida em um regime totalitário.

Casamento Silencioso (2008)
Horatiu Malaele

30 janeiro - Delicatessen (1991) - Jean-Pierre Jeunet, Marc Caro



Um prédio em ruínas, localizado em um tempo e espaço não definidos, abriga um açougue e é residência de um decadente grupo de inquilinos. O milho é a moeda local, usada pelo açougueiro em troca do fornecimento de pedaços de carne (neste mundo não crescem muitos vegetais e a comida é escassa).
Um palhaço de circo, vivido pelo singular ator Dominique Pinon, um belo dia surge no prédio atrás de emprego e é contratado para serviços braçais. Seus truques circenses e sua empatia porém, acabam por cativar a filha do açougueiro.
Enquanto o açougueiro tenta por em pratica, frustradamente, suas reais intenções para com o palhaço, um grupo de vegetarianos que vivem escondidos nos subsolos, resolve invadir o prédio atrás do valioso milho armazenado.
Delicatessen tem boas sacadas visuais em clima sombrio e requintado de um pós apocalipse não muito distante. Os moradores do prédio são estereótipos divertidos que se encaixam bem neste enredo surreal. A seqüência que interliga as ações de um grupo de moradores ao som do coito do açougueiro é inusitada e própria deste universo bem particular dos dois diretores.

Delicatessen (1991)
Jean-Pierre Jeunet, Marc Caro

29 janeiro - C.R.A.Z.Y. (2005) – Jean-Marc Vallée






Zachary é 4º entre cinco irmãos, todos homens, da dedicada família Beaulieu. Nascido no dia de Natal, recebe por isso os maiores presentes nesta data. A delicadeza e introspecção de Zachary fazem com que seu pai, um fã de Charles Aznavour, comece a desconfiar de sua sexualidade, enquanto a mãe vê nos gestos do filho, um dom especial e religioso. O pequeno Zachary querendo agradar seu pai, recorre a orações para pedir aos céus que seja um menino normal e tenha sempre um comportamento social adequado, como os outros irmãos.  Na adolescência, os conflitos com o pai e com Raymond, seu irmão desajustado, só aumentam e Zachary, vivendo em plenos anos 70, em meio ao som de Bowie e Pink Floyd, drogas e psicodelia, ainda carrega a culpa por seu desejo latente e contrário à moral do pai.
Já adulto e sabendo que não poderá ser quem é sem decepcionar ninguém, Zachary foge para Jerusalém onde finalmente se encontra e percebe que, apesar da enorme distancia física, sempre fará parte daquela família.
Entre o sagrado e o profano, Valée conduz com muito humor a guerra entre o pai amoroso, mas desconfiado e os dois filhos desajustados (o filme acaba mais por centrar-se nesta relação entre Zachary, seu irmão Raymond e o pai). A cena em que Zachary adolescente da de presente pro pai o disco raro de Patsy Cline, que havia quebrado na infância é uma das melhores deste embate. Aliás, a excelente trilha sonora é parte importante no filme e acaba por contextualizar e humanizar ainda mais os sentimentos dos personagens. CRAZY do título, é uma música de Patsy Cline e as inicias dos nomes de cada um dos cinco irmãos. 
C.R.A.Z.Y. (2005) – Jean-Marc Vallée

28 janeiro - Somos tão jovens (2012) - Antônio Carlos da Fontoura



O jovem Renato Manfredinni Jr. enquanto se recupera de uma cirurgia para resolver um problema ósseo, lê muitos livros e dedilha seu violão. A partir da descoberta do Sex Pistols, sai atrás de músicos para montar sua primeira banda: o aborto elétrico. Renato tem temperamento forte e suas opiniões e comportamento nem sempre são compreendidos pelos amigos e músicos do movimento punk, da qual está inserido. Depois de rupturas e desentendimentos, inicia-se sua fase solitária como o trovador elétrico, com canções longas tocadas ao violão, narrando estórias de Brasília. Os shows de rock na Capital Federal eram acompanhados por Hermano, irmão de Herbert Vianna, que convida Renato, já com a sua Legião Urbana, para tocar no circo voador no rio de janeiro, templo do rock nacional nos anos 80.
O filme é uma ficção que tem bases na biografia de Renato Russo. Antônio Carlos Fontoura se detém em aspectos da vida do músico que ajudam a entender um pouco sobre o nascimento de algumas canções emblemáticas da Legião. O ator Thiago Mendonça impressiona na sua caracterização, e a decisão do diretor de executar os números de música ao vivo, pelos próprios atores, foi muito acertada. Tive a felicidade de assistir a legião nos shows “as quatro estações” e “descobrimento do Brasil” e quem também teve esta oportunidade sabe o quão era catártica a presença de Renato Russo no palco. Não sou exatamente um saudosista, mas a cena final do filme, com a Legião enfim se apresentado para um grande público, me deixou pra lá de emocionado.

Somos tão jovens (2012)
Antônio Carlos da Fontoura

27 janeiro - Adoração (2009) - Atom Egoyan



Sabine, a professora de Francês e teatro, propõe a sua classe, um exercício de reflexão diante da noticia sobre um terrorista que usou a namorada grávida para o transporte de uma bomba que mataria dezenas em um avião. Simom, um dos alunos, cria um texto sensível colocando-se no papel da criança no ventre da mãe que transportava a bomba. Sabine, tocada pelo enfoque do menino, pede a ele que dramatize o texto em aula, assumindo o papel do personagem que sobreviveu. Tomado ainda pela morte de seus pais em um acidente de carro, Simon vai além do exercício de classe e publica na internet a sua encenação.
Em adoração, Egoyan propõe uma intrincada teia de pontos de vista, intolerância e sentimentos que vão se desvelando gradativamente, à medida que a mentira de Simon ganha repercussão e posicionamentos diversos.
O tio ausente de Simon, seu avô reacionário e etnocêntrico e Sabine, de origem muçulmana e ligada ao passado da família, formam as peças da equação que Simon terá que equilibrar para suportar as causas do acidente com os pais e lidar com sua origem e identidade.

Adoração (2009)
Atom Egoyan

26 janeiro - Um alguém apaixonado (2012) - Abbas Kiarostami



Akiko divide sua vida entre o trabalho como garota de programa, a faculdade e relacionamento com o apaixonado e possessivo namorado, um jovem mecânico que não sabe da profissão da amada. Akiko não está satisfeita com sua condição e atende, por favor ao seu cafetão, a um chamado de um cliente especial. Enquanto parte ao encontro, escuta as mensagens deixadas no telefone pela avó que estava de passagem pela cidade e esperava encontrá-la. O cliente de Akiko é takashi, um intelectual idoso que espera do encontro apenas um pouco de afeto.
Akiro, Takashi (o cliente) e Noriaki (o namorado) por um lapso do destino, encontram-se sem saber exatamente qual o papel de cada um naquele momento.
A triste e bela canção like someone in love, que ouvi pela primeira vez na voz de Bjork, parece conter muito da atmosfera do filme de mesmo nome.
Com suavidade característica, Kiarostami se detém em esmiuçar a fragilidade emocional de seus personagens e as suas condutas perante os códigos sociais, deixando no final, apenas subentendido o que acontece quando as suas necessidades reais são confrontadas.

Um alguém apaixonado (2012)
Abbas Kiarostami

25 janeiro - O lobo de Wall Street (2013) - Martin Scorsese




Scorsese narra à estória de Brendon Belfort, um jovem de classe média baixa americana que se transforma num magnata em Wall Street.
O primeiro contato de Brendon com mundo dos negócios foi marcante, seu chefe, Mark Hanna, imoral e inescrupuloso, lhe tira a visão romântica dos negócios e lhe mostra toda a selvageria que o meio precisa.
Brendon, seguindo os ensinamentos de seu ex-chefe, não poupa em drogas, espetáculos bizarros, discursos messiânicos e muito sexo para o grupo de desajustados, agora transformados em gananciosos corretores na sua poderosa empresa, a Stratton Oakmont.
Mas o Lobo de Wall Street, como passa ser conhecido pela riqueza rápida e ostensiva, chama a atenção do FBI.
Arremesso de anões, barbitúricos, contas na Suíça, cocaína, dinheiro, ostentação e luxuria, durante as três rápidas horas, um Scorsese, ácido como nunca, nos mostra a ascenção de um modelo de vida americano e sua inevitável punição pela moral também americana.
O tom humorístico dado pelo diretor tem alguns grandes momentos graças também a afinação entre Jonah Hill e Leonardo de Caprio. O lobo de Wall Street é um Scorsese maduro e ainda aberto a experimentos com a câmera e a direção, em sua grande forma.

O lobo de Wall Street (2013)
Martin Scorsese